Marcos Marques e Pietro Erber, do INEE: Eficiência Energética, Último Recurso

Será necessário racionar o consumo de energia elétrica em 2015? Não há certeza, mas é possível. As elevadas despesas com combustíveis destinados às termelétricas perdurarão em níveis semelhantes aos de 2014? É muito provável, a menos que a situação hidrológica dos próximos meses venha a ser particularmente favorável. (*)

No momento atual, o volume d’água disponível nos reservatórios está extremamente baixo, inferior ao de dezembro de 2000, véspera do racionamento. As usinas térmicas operam à plena carga e, com o início do verão, previsto ser dos mais quentes, a demanda deverá aumentar. Assim tanto do lado hidrelétrico quanto do termelétrico, a oferta de energia elétrica apresenta muito pouca, senão nenhuma flexibilidade e total dependência do regime hidrológico.

É, portanto, evidente que no quadro atual o aumento da eficiência no uso da energia constitua, praticamente, o único recurso mais efetivo e imediatamente disponível para diminuir a despesa com combustíveis e reduzir o risco de racionamento em 2015. Uma redução expressiva da demanda pode ser alcançada sem prejuízo significativo para os consumidores e para a economia do país. E nenhum artifício contábil que atenue o impacto tarifário dessa despesa, atualmente cerca de R$ 3 bilhões/mês, obviará os efeitos econômicos e ambientais do consumo de combustíveis, ou reduzirá o risco de déficit. Se o consumo total tivesse uma redução de 5%, a redução com a despesa de combustíveis seria superior a 20%.

O custo de uma mobilização criativa em favor do uso correto e racional da energia, ainda que tardia, seria bem menor e propiciaria ganhos substanciais nos diferentes planos. O ano de 2015 será da maior importância para o clima mundial, pelas decisões sobre os esforços para conter o aquecimento global, que deverão ser tomadas e já começaram a ser delineadas recentemente, em Lima. Nesse sentido, torna-se ainda mais premente reduzir o consumo de combustíveis fósseis.

A viabilidade de ser obtida uma resposta positiva e rápida é demonstrada pelo comportamento do mercado da Região Sul, que em 2001 reduziu em cerca de 9% sua demanda apesar de não estar sujeito ao racionamento, apenas por perceber os possíveis ganhos de eficiência indicados pela mídia para as demais regiões do país.

No curto prazo, pela gravidade da situação, devem ser consideradas providências de caráter institucional, bem como medidas pontuais, indicadas a seguir, que poderão ajudar a aliviar, senão a superar, uma possível crise de abastecimento e reduzir custos para os consumidores e para o país, já muito elevados.

  • Criar um Comitê Gestor de Eficientização Energética com autoridade suficiente para mobilizar órgãos da administração direta e indireta, nesta incluídos empresas estatais, bancos de fomento, agências governamentais e outras. Este Comitê definiria metas de economia de energia a serem aprovadas pelo MME e perseguidas por todos os consumidores e agentes públicos, com estímulos claros e incisivos nos planos tarifário e fiscal.
  • Iniciar, com a maior presteza, ampla campanha pública de eficiência energética, promover amplo esforço compulsório de eficientização de todos os prédios públicos, com recursos orçamentários bem definidos, metas e compromissos efetivos e exigir que todas as licitações públicas de obras e compras considerem aspectos de eficiência energética.
  • Alocar, excepcionalmente, pelo período de 12 meses, a partir de janeiro de 2015, todos os recursos gerados e disponíveis no Fundo Setorial de Energia, exclusivamente para programas e projetos de eficiência energética.
  • Definir e implementar, em caráter de urgência, incentivos financeiros ao aumento de eficiência e “Leilões de Eficiência Energética”.
  • Recomendar aos órgãos de financiamento que incluam requisitos de eficiência energética na análise e avaliação dos projetos e que criem linhas expeditas de financiamento para implantação de tecnologias já testadas, especialmente nas áreas de iluminação, refrigeração e acionamento.
  • Promover a criação de um amplo banco de dados e informações sobre casos de sucesso, novos processos e tecnologias de eficientização no uso final, linhas de financiamentos, normas aplicáveis, tarifas e outras informações que possam contribuir na mobilização dos agentes e setores para obtenção de resultados efetivos.
  • Condicionar, temporariamente, qualquer apoio governamental ao financiamento da compra de equipamentos eletrodomésticos de maior consumo, como condicionadores de ar, à substituição por modelos mais eficientes.

    Embora a forte elevação tarifária, da ordem de 30%, já prevista, deva estimular os consumidores a utilizarem a energia com maior eficiência, será indispensável que o governo se mobilize imediatamente para viabilizar tais iniciativas, dando efetividade aos propósitos de eficientização. Será preciso que além de saberem o que fazer, os consumidores tenham acesso a equipamentos e a processos que lhes permitam reduzir seu consumo sem perda de conforto e segurança. São várias as iniciativas viáveis, já disponíveis em diversas linhas e setores.

    Apenas como exemplos mais imediatos:

  • Viabilizar a oferta de lâmpadas de alta eficiência (fluorescentes compactas e, sobretudo, LED) para uso doméstico, comercial e público. A iluminação é responsável por mais de 11% do consumo final de energia elétrica no país. Se for necessário importar parte dos produtos, abreviar os trâmites legais para que as substituições se façam com a presteza possível.
  • Acelerar a implementação de novas soluções para aprimoramento ou substituição de chuveiros elétricos, responsável por cerca de 20% do consumo residencial.
  • Estimular a substituição de motores e transformadores elétricos de baixa eficiência ou inadequadamente dimensionados para as funções que exercem, além de intensificar os esforços das distribuidoras para redução de perdas nas redes.

    Finalmente, desataca-se a importância de acompanhar e avaliar o efeito de cada medida que venha a ser adotada, tendo em vista a validade e continuidade dos esforços para aumento da eficiência energética, que não pode depender apenas de atenções espasmódicas suscitadas por crises de suprimento.

    (*)Artigo publicado no Jornal Valor Econômico em 9/01/2015

    Autores:
    (1) - Marcos José Marques é economista, Presidente do Conselho do INEE – Instituto Nacional de Eficiência Energética
    (2) - Pietro Erber é engenheiro, Diretor do INEE
    13/01/2015


  • [Fonte: Valor Econômico]


    Leia também

    Edson Szyszka, do INEE: Eficiência Energética na Indústria

    Nos países membros da IEA (International Energy Agency), entre os anos de 1974-2010, a energia total recuperada por ações de EE foi maior que a energia total comprada de qualquer outra fonte, inclu...
    Leia mais...

    Jayme Buarque, do INEE: Sankey Energia, Fonte Ao Uso, Brasil 2019

    Em sua colaboração com a EPE, possivelmente a principal contribuição do INEE tenha sido mostrar a importância de apresentar o balanço energético anual, em forma de tabela, conforme o BEN, num conju...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Inserção de Fontes Intermitentes no Futuro Quadro Energético

    Quando se procura vislumbrar a evolução do balanço energético brasileiro, mesmo num horizonte de pouco mais de dez anos, alguns elementos parecem bastante seguros para que se comece a delinear uma ...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: 0 Setor Elétrico e a Privatização da Eletrobrás

    É possível que a Eletrobrás venha a ser privatizada, mediante redução da participação da União em seu capital votante. Previamente, porém, dadas as relevantes questões impostas ao setor elétrico e ...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Nova Matriz Energética - Armazenamento de Energia

    Nas duas últimas décadas, a estrutura da capacidade geradora sofreu alterações significativas, com o aproveitamento de expressivos potenciais hidrelétricos da Amazônia adotados de escasso armazenam...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Mercado de Etanol e Política Energética

    A extraordinária queda das cotações internacionais do petróleo levou à redução dos preços da gasolina, enquanto as crises, sanitária e econômica, causavam forte diminuição da demanda por combustíve...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Geração Distribuída, desafios e oportunidades

    Para evitar o consumo de combustíveis fósseis e reduzir custos, o setor elétrico precisa utilizar fontes renováveis, sazonais ou intermitentes, como a solar e a eólica, ainda pouco aproveitadas. Su...
    Leia mais...

    Pietro Erber e Marcos José Marques, do INEE: Eficiência Energética, uma busca permanente

    A eficiência energética é condição fundamental para a competitividade econômica e para o atendimento dos compromissos ambientais e sociais. Em vários países, os resultados alcançados recentemente t...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Questões do Modelo do Setor Elétrico

    O setor elétrico brasileiro enfrenta uma crise grave e complexa. Tal qual no início dos anos 1990, observa-se perda de remuneração em muitas empresas, contestação de cobranças pelo suprimento de...
    Leia mais...

    Lançamento do Portal Brasileiro de Indicadores de Eficiência Energética - PBIEE

    O evento será realizado no dia 18 de junho de 2019 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, São Paulo. Organizado e promovido pela International Energy Initiative - IEI Brasi...
    Leia mais...

    Jayme Buarque, do INEE: Por um uso mais verde do etanol

    Quando o preço do petróleo quadruplicou no início do século, a demanda por carros a etanol aumentou muito no Brasil, pois o combustível renovável ficou bem mais competitivo que a gasolina. <...
    Leia mais...

    INEE divulga o Relatório de Atividades de 2018

    Em 2018, o INEE continuou a desenvolver suas atividades através das ações resumidas em seu Relatório abaixo. Desde que foi criado, foi o primeiro ano em que não organizou um evento para discutir...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Renda Hidrelétrica

    Usinas hidrelétricas têm, normalmente, vida útil bem mais longa do que o período necessário para a amortização do investimento realizado. Após esse período, os custos da energia gerada compreend...
    Leia mais...

    Pietro Erber, do INEE: Considerações sobre o Novo Modelo do Setor Elétrico

    O adiamento da alienação do controle acionário da União na Eletrobrás apresenta ao Governo a oportunidade de concentrar sua atenção na definição do modelo do setor elétrico, no qual o papel dess...
    Leia mais...

    Osório, Saudades

    Osório de Brito faleceu no dia 15 de maio, com 79 anos. Engenheiro eletricista formado pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, pós-graduado em engenharia econômica pela UFR...
    Leia mais...

    Newsletter Fale Conosco